sexta-feira, 2 de maio de 2008

Linhas de pensamento


A legalidade periférica

Na "Crítica da Legalidade e do Direito Brasileiro" além de uma análise da evolução histórica do princípio da legalidade e sua importância basilar para as formas jurídicas contemporâneas centrais, Mascaro propõe uma outra investigação, ligada a esta, sobre as formas que assumiram a legalidade na periferia latino-americana e, em especial, no caso brasileiro. As idéias de igualdade e de liberdade jurídicas puderam coexistir com a escravidão no Brasil, e isso guarda conseqüências sérias e notáveis ainda hoje tanto nas concepções dos cidadãos comuns como entre juristas.

Segundo Mascaro: "A legalidade, como instância técnica favorável a uma burguesia nacional nas suas relações produtivas e mercantis, no caso brasileiro encontra não apenas a estabilização jurídica da propriedade privada dou do contrato, mas, para além disso, encontra a instrumentalização dos meios jurídicos como forma de favorecimento de relações de fomento e privilégio, resultantes desta interdependência do Estado para com capital interno e externo. Assim, não se trata, por exemplo, apenas de uma neutralização chanceladora da exploração de mão-de-obra, mas sim de uma dominação ainda mais agravante, por meio da utilização do Estado como empreendedor de políticas de arrocho salarial, a benefício de lucros compensatórios relativos à defasagem do capital nacional em face do externo. Essa exponenciação dos lucros de uma burguesia nacional exportadora e dependente tem por conseqüência a instrumentalização da legalidade como forma de controle social, achatamento da remuneração da mão-de-obra e agudização da mais-valia.(2003b:90-91)

Para além de uma concepção normativista Mascaro buscou uma imersão neste multifacetada e significativa convivência brasileira da legalidade estrita burguesa com sua própria suspensão e violação constantes. Ainda segundo ele "Por conseqüência, não se trata, pois, da conquista da neutralidade da cidadania do capitalismo central, que possibilita a exploração da mais-valia pelo contrato de trabalho. Trata-se, mais que isso, da legalidade comop peso institucional de controle, não só da tecnicidade da circulação mercantil, mas politicamente, maximizando a exploração econômica. Também pouco se trata da conquista da cidadania burguesa do voto e do controle burguês do Estado por meio dos jogos de controle do sistema eleitoral por parte da burguesia. Trata-se, ainda mais, da própria supressão do Estado de direito naquilo que diga benefício às burguesias nacionais e internacionais, a fim de maximizar os interesses exploratórios,como foram exemplos, em praticamente toda a América Latina, as ditaduras militares das décadas de 1960 e 1970, sustentadas pelas asscoiações entre as burguesias nacionais e internacionais, e em especial pelo governo norte-americano." (2003b:91-92)

Conclui, em seguida Mascaro, que "Esse capitalismo periférico e dependente resulta numa clara impossibilidade de uma instância jurídica neutralizadora e técnica, como no caso típico do capitalismo central." (2003b:92)

Direito: ciência ou tecnologia?

A polêmica discussão acerca da cientificidade das práticas cotidianas do jurista é relativamente antiga. Trata-se de saber se um recurso jurídico ou uma petição é ou não considerado um trabalho de cunho eminentemente científico. A polêmica foi iniciada no Brasil pelo jurista Tércio Sampaio Ferraz Júnior aluno de Theodor Viehweg, um dos criadores da chamada Tópica Jurídica. Para Ferraz Júnior (2003), as atividades do cotidiano jurídico, mas também a Doutrina e a Jurisprudência são parte da Dogmática Jurídica. A Dogmática Jurídica é o plano ou dimensão da atividade jurídica que se volta para a mudança de decisão, tendo por base premissas não-questionadas. Por exemplo, quando um advogado se volta para uma causa, ele busca, com base em premissas como a legislação, os julgados anteriores e a opinião de outros juristas, influenciar a decisão de um juiz em prol de seu cliente. Para Ferraz Júnior, o enfoque dogmático é predominantemente tecnológico e não científico.
Mascaro parte desta mesmo ponto para continuar e alargar a polêmica, dando mais distinção política e ideológica à idéia de cientificidade do direito. Para Mascaro "Pode-se comparar essa correlação entre ciência e técnica, no direito, à mesma correlação em outros setores do conhecimento. Para dimensionarmos esses diferenças, façamos uma comparação com as questões médicas.Na medicina há um conjunto de técnicas universalmente utilizáveis e importantes - assepsia, diagnósticos, procedimentos cirúrgicos e até uma ética - mas tudo isso não é ciência, é um conjunto de técnicas. Nem se pode diz que esse conjunto de técnicas seja universal porque em outros tempos e em outras culturas pode haver diferenças (...) Da mesma maneira, diríamos que a análise das normas jurídicas estatais é uma técnica jurídica, mas dizer-se que a ciência do direito seja só a análise das normas estatais talvez seja subestimar a abrangência do fenômeno jurídico, porque é preciso entender que ele é maior e mais complexo do que apenas as normas do Estado." (2007b:62-63)

Conclui Mascaro que "Do mesmo modo que se diz que um médico que se dedica apenas à técnica médica é um médico ruim, o jurista dedicado apenas à técnica jurídica é um mau jurista, um rábula ou um leguleio, como se dizia antigamente." (2007b:63)

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